A família patriarcal no Brasil e seus desdobramentos
O grupo familiar é dinâmico, ou seja, assim como sofre influências do contexto social em que insere, também contribui para promover ou apoiar mudanças no meio. Dessa forma, entende-se por que a família nem sempre foi como conhecemos hoje. Atualmente, ela divide a função de socialização e de transmissão de valores e comportamentos com a escola, as creches, os meios de comunicação, as redes sociais e outras instituições.
No período do Brasil colonial e imperial, por exemplo, a situação era diferente. Houve um tipo de denominação em que colonizadores, em geral portugueses uniam-se, consensualmente ou não, com mulheres socialmente submetidas a eles, como africanas escravizadas e indígenas, o que significou a multiplicação de filhos fora do casamento. Essa exploração do gênero feminino pelos colonizadores e seus descendentes resultou em inúmeras relações interétnicas.
Entre os colonizadores portugueses havia uma elite que implantou, no Brasil, o que chamamos de família patricarcal, um modelo em que a autoridade é o patriarca e é passada apenas aos filhos homens. Em seu livro Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre (1900-1987) resultou o que o grande fator colonizador do Brasil desde o século XVI não foi o indivíduo, o Estado ou qualquer companhia de comércio, mas a família, "a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instalava as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que de desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América".
Até o período republicano, as famílias da elite brasileira eram bastante numerosas, com muitos filhos. Tendo por objetivo evitar a divisão das fortunas e garantir a manutenção ou melhora das condições econômicas, os casamentos e os contratos sociais se estabeleciam entre membros de famílias ricas e grandes proprietários de terras ou ocupantes de cargos de prestígio.
O processo de colonização do Brasil foi marcado pela dificuldade de administração do governo colonial, diante da extensão do território e da distância da metrópole. As famílias contavam apenas com seus membros e vizinhos, o que favoreceu o desenvolvimento de relações de compadrio e a prática de apadrinhamento, que estabelecia vínculos muitas vezes mais fortes do que os consanguíneos.
Esse tipo de relação predominou de modo ostensivo até 1930, permanecendo em várias regiões comandadas política e economicamente por centenárias famílias da oligarquia. Essas famílias caracterizam-se pela posse de terras, gado e de mão de obra (até a abolição da escravidão, em 1888), conferindo status social a muitos líderes locais e seus familiares, fato que favorecia o exercício do poder. Isso ajuda a explicar o caráter patrimonial ainda presente na política brasileira, em que, geralmente, as esferas pública e privada tendem a se confundir.
Os chefes políticos e locais agiam segundo sua conveniência, guiando-se pela posição social e fortuna das pessoas na escolha tanto do noivo para as filhas quanto da profissão dos filhos. Os patriarcas interferiam na vida social da localidade e nos cargos e jogos políticos. Na época, as relações de gênero tinham esferas pública e doméstica um significado mais opressor e conservador do que encontramos hoje. A autoridade dos homens sobre as mulheres estava não apenas mas práticas sociais, legitimada na legislação e no funcionamento do Estado. O fato de apenas homens poderem votar durante mais de um século no Brasil independente é um exemplo do que chamamos de "sistema patriarcal".
No período de maior influência desse sistema, era marcante o desequilíbrio nas relações de gênero. Pode-se lembrar, por exemplo, que as mulheres da elite, em especial as filhas, eram mantidas nos espaços privados da casa, afastadas da sala e da varanda. Consideramos locais públicos, nesses espaços os proprietários recebiam pessoas que só entravam se chamadas ou autorizadas pelo fazendeiro.
O patriarcalismo dificultava o reconhecimento de outras estruturas familiares. Os africanos trazidos para o Brasil na condição de mão de obra escrava enfrentavam dificuldades para manter suas famílias unidas e para transmitir e manter seus próprios valores e costumes. Ao serem capturados na África, eram distintas no momento da venda. Quando constiuíam novas famílias, nem sempre eram respeitados, a começar pelo fato de viverem em senzalas sem qualquer privacidade. Os filhos nascidos da união entre senhores e escravizadas não eram reconhecido legalmente, embora muitos tenham sido declarados filhos em confissões e perfilados em testamentos.
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